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Abr 10

 

Uma das primeiras regras que aprendemos é a forma como nos devemos dirigir aos outros, o modo como nos cumprimentamos, a forma como nos despedimos. Enfim, é um conjunto de regras básicas que nos orientam e nos ajudam a vivermos em sociedade.

Com a nova era que atravessamos, a da sociedade da informação, novos mundos virtuais são criados, paralelamente às nossas vidas quotidianas. O ser humano conseguiu encurtar as distâncias, mas será que conseguiu manter aquilo que os distingue das demais espécies, ou seja, a sua humanidade?

Passamos cada vez mais tempo a falar com os nossos amigos ou colaboradores, através da internet e “conhecemos” cada vez mais pessoas em redes sociais, mais do que propriamente na vida real. A interacção social deixou de ser face a face para dar lugar a um mundo que nos ultrapassa e projecta a nossa imaginação. Dá azo a uma certa criatividade interaccional que nos faz pensar estar a falar com alguém que, possivelmente, nem existe.

As expressões faciais passaram a tomar a forma de símbolos, como os smiles, indicadores simbólicos que expressam as nossas emoções ou ideias. A par desta nova realidade e a de nos olharmos uns aos outros cada vez menos olhos nos olhos, até mesmo no dia-a-dia, certos cuidados na forma como nos abordamos vão-se desvanecendo ou tomando diferentes formas.

Por exemplo, o envio de um email ainda cumpre ou deveria cumprir certas regras que a correspondência normal ainda vai mantendo. Mas quando enviamos um currículo ou outra qualquer mensagem e recebemos a notificação (your message was delected without being read – a sua mensagem foi apagada sem ter sido lida), provoca uma certa sensação de desconforto e indiferença que nos causa um certo incómodo.

É um pouco a sensação que se sente quando estamos à espera de uma entrevista de emprego e ninguém está disponível para nos receber. Porém, no ciberespaço tudo se torna ainda mais impessoal e é mais fácil eliminar alguém que à partida não nos interessa, sem dar a menor justificação. Basta apenas apagá-la.

Quando estamos a contactar com alguém via MSN por exemplo e, de repente, deixamos de obter qualquer resposta, ficamos literalmente “pendurados”, sem saber se do outro lado alguém caiu da cadeira, se está a falar com outra pessoa ou pura e simplesmente se esqueceu de nós. A facilidade com que apagamos os outros da nossa vida virtual é verdadeiramente assustadora.

Ainda há poucos anos atrás, essas formas de eliminação ainda poderiam passar por uma conversa na mesa de um café, até ao momento de dizer adeus, até qualquer dia. O mundo virtual, apesar de mais confortável e prático, não nos deixa mais seguros. Nem sempre temos feedback do outro lado. A incerteza, o individualismo, a dúvida mantêm-se. Virtualmente estamos mais próximos, mas continuamos tão desconhecidos como sempre fomos uns para os outros. A internet não nos tornou mais humanos mas cria-nos uma sensação dicotómica: a ilusão e a realização. A ilusão de pensarmos que estamos mais próximos uns dos outros e a realização de podermos pesquisar em tempo recorde assuntos do nosso interesse que de outra forma nos tomaria muito do nosso precioso tempo.

Por isso, seria de toda a utilidade mantermos regras de tratamento distintas, quando falamos com amigos, que efectivamente conhecemos, com as pessoas com quem trabalhamos ou com quem, de repente, nos aparece online e nos pede para o adicionarmos como “amigo”. Por abordar a palavra amigo, lembrei-me do poeta Alexandre O’Neill e do seu célebre poema “Amigo”: Mal nos conhecemos inaugurámos a palavra amigo (...) Amigo (recordam-se aí escrupulosos detritos?) Amigo é o contrário de inimigo (...) Amigo é a solidão derrotada.

Hoje em dia, mais do que sermos cidadãos do mundo, passamos a ser cidadãos digitais. Por isso, seria bom continuarmos a ter maneiras, mesmo se nos encontramos no mundo virtual e impessoal que é a internet, e tentarmos manter aquelas que ainda são regras básicas de educação.

E por falar em maneiras, não poderia deixar de citar um estudo importante, da Universidade da Beira Interior, da autoria de Ana Sofia Marcelo, intitulado “ A Internet e as novas formas de sociabilidade”, disponível na internet em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/marcelo-ana-sofia-internet-sociabilidade.pdf.

Devemos continuar a respeitar aquilo que ainda nos distingue ou deveria distinguir das outras espécies: a nossa capacidade de pensarmos e de comunicarmos com os demais, através de um dos pilares da nossa sociedade: a educação. Não custa nada responder-”acusamos a recepção do seu curriculum vitae”, “desculpa fui abaixo”, “olha, estava a falar com outra pessoa e distraí-me”, “tenho que ir”, “vou”, “fui”... 

publicado por Arquivo Digital às 20:13

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